ME DEIXE MORRER EM SEATTLE
CAPÍTULO
IV
Eddie passou todos esses dias esperando por ela em casa, ele sabia que ela voltaria, sempre retornava, era uma coisa difícil de lidar, por vezes tinha vontade de deixar tudo e ir embora, já chegara a deixar aquela casa, passou alguns meses longe de tudo, deixou uma carta explicando que não podia mais lidar com tudo aquilo, que a amava sim, que ela era e seria para sempre o seu eterno amor, mas que era muito difícil para ele lidar com os outros, se referia a Scott e Layne, ele sempre soube da ligação doentia dela com Scott, e do amor problemático com o irmão, sempre entendeu os dois lados, nunca questionou. Quando a conheceu, foi em meio ao tumulto da sua vida, ele a acolheu, ela nunca mentiu, ele sabia, e aceitou aquilo.
Quando a deixou foi a coisa mais dolorosa que fez em sua vida, sofreu muito, não sabia que rumo tomar, não conseguia decidir o que fazer da vida, viajou para alguns lugares, sem definição para trabalho, nada, achava que estava enlouquecendo, começou a beber descontroladamente, não aguentou, estava tentando se matar, não podia mais continuar, resolveu voltar, em nenhum momento, ela o procurou, e quando retornou, e se deparou com ela, ela estava em casa, sim era apenas uma sombra da sua mulher, um fantasma, sentada numa poltrona no quarto do casal, olhando para fora, pela janela, a chuva que caía insistente naquela cidade, chuva eterna, ela estava tão magra, sua pele, cinzenta, seus olhos vazios, vestia um pijama que parecia há séculos não ser trocado, os cabelos escorridos e sujos, o quarto, não era arrumado ao que parecia desde a sua partida, provavelmente ela não tivesse saído daquele cômodo para quase nada, a casa quando entrou estava do mesmo jeito, até mesmo o cinzeiro que estava na cozinha quando partiu, estava lá com as bitucas dos cigarros que ele havia fumado, do mesmo jeito, tudo igual, parecia que nenhum dia havia se passado na casa, ela não movera nenhum copo ali dentro desde a sua saída.
-Querida.
Ela o olhou como quem olha para uma assombração, os olhos se arregalaram.
-Eddie!
Ele a arrancou da poltrona com raiva, a segurando nos braços com força num abraço raivoso.
-O que aconteceu com você?
-Eu...não posso...
-Me perdoe, eu achei que podia esquecer tudo isso, ficar longe dessa loucura toda, essa maluquice, mas não posso, meu bem, não posso ficar sem você, que se foda o resto, preciso ficar com você, me perdoe.
-Você está aqui, eu nem acredito. Ela o agarrava pelo pescoço como para garantir que era real sua presença, chorava.
-Por favor, não me deixe assim, eu queria morrer e não conseguia, tentei tantas vezes acabar com tudo e não pude, essa merda dentro de mim não deixa eu acabar com tudo.
-Graças, eu não poderia continuar se você terminasse, devo agradecer essa merda então, me perdoe querida, fui fraco eu sei, não deveria ter partido e deixado você aqui com os animais, agi errado, fui covarde.
-Chega, não quero ouvir isso de você, de todos nós, o único que não pode ser condenado a nada é você, você é meu anjo, minha salvação, sem você eu já estaria queimando no inferno, o demônio já teria levado minha alma danada, você Eddie, foi o único que não pôde ser atingido pela droga, e eu agradeço tanto por isso, você é tão superior a todos nós, e eu sou tão baixa, você sabe porque estou dizendo isso.
-Ora, esqueça, veja você, como está magra meu bem, o que andou fazendo? quanto pó você cheirou aqui sozinha?
-Não sei te dizer. Tentei fazer uma overdose e não consegui, tentei de tudo pra me matar, não consegui.
-Querida...
Eddie tinha lágrimas nos olhos, pegou sua amada com cuidado no colo e a levou para a cama, a deitou e ficou ao seu lado abraçado apenas, sentindo o contado de seu corpo, queriam apenas a felicidade de estarem unidos novamente, ela não tinha condições de nada além disso nesse momento, estava completamente debilitada e doente, dormiu nos braços de Eddie como se fosse uma criança que reencontra o carinho perdido e se sente protegida novamente, ele chorava baixo, sua tristeza.
Só que dessa vez ele não partiria, ele ficaria e a esperaria, as coisas estavam se complicando, ele não a deixaria com Scott, ele já a fizera sofrer demais, já a machucara física e psicologicamente por muitos anos, não gostava de Scott, nunca gostou, eram rivais declarados, quando conseguiu resgatá-la de Scott, foi talvez o dia mais feliz da sua vida, ele afinal deu paz ao casal, viu que não podia mais lutar com o amor deles, mas ainda assim, detestava saber da ligação dos dois, não sabia direito o que acontecia, nem queria saber, só sabia que a ligação era muito forte, mais intensa do que gostaria, ela tinha lá uma devoção estranha que ele não entendia muito bem e não podia pedir que ela renunciasse a isso, ela amava Scott a seu modo, era uma ligação estranha, ele era de certa forma o criador dela, ele a fizera do jeito que era hoje, ela e o irmão, então que chances ele tinha de lutar contra esse homem? Resolvera aceitar isso sem discutir se era certo, bom ou ruim, era assim e a amaria sempre, estranho ou não, ele também era desajustado não é, fora por isso que seus caminhos se cruzaram, então que fosse, estariam sempre juntos. mas jamais iria conviver com Scott, sentia uma aversão natural, ciúme, seja o que fosse.
Ela estava pronta para voltar para casa, Scott já sabia que ela iria embora, era bom, ele precisava acertar contas com o bispo, e não queria ela por perto, iria pegar uns dois ou três para descontar o que fizeram com Peggy a travesti.
-Você tem certeza que vai fazer isso?
-Claro garota, não vou deixar aquele merda agindo por aí, já chega a bosta toda que anda fazendo na cidade, não vai pegar minha gente pra se vingar de mim, esse fanatismo religioso, essa merda que ele criou, isso nem é real, ele inventou tudo, falsa igreja do caralho.
-Eu sei, vamos com calma, preciso ir embora, ver o Eddie, ele deve estar preocupado, não posso deixar ele sozinho, tenho medo que apareçam por lá e façam mal a ele.
-Ninguém vai chegar perto do seu brinquedinho garota, sempre tem gente minha olhando aquela casa.
-Eu agradeço, mas mesmo assim preciso voltar, sinto a falta dele.
Scott pareceu contrariado com essas palavras, foi até a escrivaninha que estava a um canto, tirou um saquinho com pó, esticou alguns tiros ali numa pequena bandejinha de prata, aspirou dois, e levou até ela o restante, fazendo com que ela aspirasse, começou instantaneamente a passar as mãos pelo pescoço dela, segurando com força os cabelos, e virando seu rosto para beijar sua boca com violência, as mãos começavam a descer para os seios, rapidamente para o meio das pernas, ela usava um vestido leve, Scott, já enfiava a mão dentro da calcinha e a empurrava para o sofá, ela obedecia ansiosa como sempre.
-Venha garota, seja minha mais uma vez.
-Ahh..Scott...
Ela não tinha como evitar o contato com Scott, ela amava Scott de forma diversa a Eddie, era um amor doentio, violento e submisso, ela dependia dessa dor, com Eddie era o amor puro, doce, vital, que era necessário para sua sobrevivência sem Eddie ela não continuaria.
Scott mais uma vez a violentava com desejo animal.
Partiu para casa para encontrar Eddie, precisava sair de perto desse mal todo, sabia que agora Scott agiria com violência contra os inimigos e precisava se refugiar por um tempo, estava com medo apesar de saber ser tão forte quanto Scott, mas agora tinha Eddie, não queria participar da coisa nesse momento.
Estava ligando o carro quando sentiu o puxão no cabelo e algo gelado encostando na sua garganta.
-Quieta, agora, tira a mão da chave bem devagar.
Eram dois, um deles já estava com a seringa injetando a coisa que a impedia se se transformar, que congelava seu sangue, ela estava em pânico. Rapidamente a tiraram do banco do motorista, um deles assumiu o volante, ligando o carro e partiram, o outro a puxou para o banco de trás amarrou suas mãos com uma fita adesivas, dessas ultra resistentes, e começou a falar coisas nojentas pra ela, de como a machucariam e a violentariam agora que ela era a presa preciosa.
-Vamos brincar com você, coisinha deliciosa, passava as mãos grosseiras no meio das pernas dela, até chegar na calcinha, e enfiava os dedos dentro dela com força, ela apenas fechava os olhos, em desespero.
-Uh, que delícia, e forçava mais pra dentro os dedos. Imagina quando eu enfiar meu pau, que gostoso que vai ser hein.
-Hey cara, calma aí também quero brincar com essa delícia.
O homem que estava com ela no banco de trás, a machucava com as mãos e falava essas nojeiras, lambia seu rosto e sua boca.
-Gostosa, meu pau tá duro, acho que vou fazer você chupar ele agora mesmo. Gargalhava enquanto enfiava a mãos mais fundo dentro dela.
Eram homens do bispo, que tinham recebido ordens de raptá-la, ele decidira declarar guerra abertamente a Scott, decidira exterminar todos os inimigos, queria purificar a terra, e ser o líder santificado e escolhido com o poder supremo para abençoar a terra e dominar com o medo a população, para isso precisava eliminar os mais fortes, precisava pegar as pessoas mais importantes para Scott os dois irmãos, começou pela garota, o rapaz era mais difícil de ser achado.
Seguiram as ordens expressas do bispo e a levaram para um lugar onde jamais poderia ser achado por alguém de Scott.
A noite já havia caído, escura fria, a chuva infinita naquele lugar, Layne andava por aquela cidade como se não sentisse o frio nem a chuva, parecia mais uma fantasma caminhando, passava quase despercebido, pelos lugares, sempre detestou chamar a atenção para sua pessoa, usava sempre uma calça jeans, botas no estilo coturno, camisetas e jaqueta de couro, a coisa mais comum naquele lugar, naquela época era bom estar com luvas, sim, mas ele não as tinha agora, procurou por cigarros nos bolsos da jaquetas, acendeu um, o frio estava realmente cortante, achou que precisava pelo menos ligar para sua irmã e deixar um recado dizer que estava ok. Procurou um telefone, começou a discar, esperou o toque de chamar, nada, direto na caixa de mensagens, estranho, ela nunca desligava o celular, justamente para poder receber seus recados sempre que precisasse. Layne se sentiu inquieto, talvez fosse apenas uma coincidência, a bateria tivesse arriado, mas ele sabia que não.
-Eddie, vou falar com ele talvez ela esteja lá.
Discou para o amigo.
-Eddie?
-Quem é? Tom desconfiado.
-Layne cara.
-Hey! Rapaz onde você está? Está perto? Venha para casa.
-Não, ela está aí com você?
-Não, foi pra lá, estou esperando ela voltar, deve estar para voltar por esses dias, não sei direito, porque? Tem falado com ela?
-Não cara, não falo com ela há muito tempo, desde que saí de lá, você sabe, apenas deixo recados, mas contato direto, não tenho feito, acontece que tentei ligar...sei lá, precisava entende, não sei explicar, mas ela não atendeu, caiu na caixa postal, achei estranho, só isso, por isso liguei pra você achei que estavam juntos, mas tudo bem, ela deve estar numa brisa sei lá, alguma coisa assim, você sabe como é.
-Sei, mas mesmo assim fico preocupado, sei que estão cuidando dela e tudo mais, mas tudo me preocupa, garoto, você pode vir pra podermos conversar um pouco, você passa a noite aqui.
-É melhor não cara, não estou em condições.
-Porra, acha que sou tão puritano assim? Você pode vir pra cá, se quiser passa a noite aqui, usa seus baratos por aqui mesmo.
-Não, é arriscado, por você cara.
-Ok, me dê notícias.
-Ok.
Desligou o telefone, mas a preocupação apenas aumentou, sentia que havia alguma coisa errada, seria hora de procurar Scott? Era o que mais temia. As dores recomeçaram, a angústia, a cabeça girava, o estômago embrulhado de nojo, teria que se encontrar com Scott novamente, as lembranças voltando com força, as palavras ecoando outra vez nos seus ouvidos, aquilo tudo, ele não queria, não podia lidar com tudo aquilo outra vez, não ia conseguir.
-Eu preciso.
Começou a caminhar rapidamente, sentia dores, mas precisava, sua antiga casa era longe, afastada estava a pé, não haveria outro meio de chegar lá, teria que caminhar, parou numa ruela estreita, cheirou um pouco do pó que trazia.
-Bem, pelo menos agora as dores vão passar por um tempo, e vou andar mais rápido, que se foda.
Caminhou por algumas horas, sempre parando em lugares vazios, cheirando seu pó maligno, ficando acelerado, com o corpo enrijecido, fumando um cigarro atrás do outro, sem sentir a chuva que caía, usava uma jaqueta de couro apenas, os cigarros se molhavam com a chuva, ele maldizia o tempo com os dentes trincados, e caminhava, em breve estaria chegando. Tinha vontade de voltar atrás, não queria encontrar com aquele homem nunca mais na sua vida, jurara para si mesmo que não pisaria naquela casa nunca mais, toda aquela merda que ele cuspira na sua cara era mentira, não fazia sentido, ele era um pervertido nojento, e usava isso tentando perverter e corromper todos ao seu redor, fizera isso com sua irmã, a forçara e ela acabara se submetendo aos desejos daquele homem, porque Scott fez isso? porque se tornou aquele homem asqueroso, era como um amigo querido no começo, depois começou a mostrar sua verdadeira face, e os enganou, os fazendo ingerir aquela merda, que os fez serem o que eram hoje, essa coisa maldita, Scott os amaldiçoara mais do que já eram malditos, já tinham passado por tantas coisas juntos, ele e a irmã, e Scott apareceu prometendo coisas, e ajuda, que no começo pareciam verdade, e depois os jogou naquela guerra particular, que se transformou numa coisa sem fim e se espalhou por toda a cidade, crescendo a cada dia, contaminando tudo, pessoas inocentes, aquela coisa entre ele e o bispo, cresceu tomando proporções sem controle, atingindo pessoas que nem imaginavam estarem sendo alvo das vaidades daqueles dois monstros.
Estava perto da casa, sua pernas tremiam, seu corpo todo tremia, estava encharcado, seus cigarros tinham acabado, seu pó também, sentia raiva, muita raiva, já podia ver a casa, luzes acesas em várias janelas.
Estava na porta de entrada, ela se abriu, Layne se assustou, ele não havia tocado o interfone ou batido, era Scott.
-Se não é o garoto de volta.
-Não estou de volta.
-Então porque está parado na minha porta?
-Onde ela está?
-Foi embora, você estava na periferia? Bem, entre garoto, vamos, troque de roupa pelo menos.
-Não é necessário.
-Você é quem sabe, mas que porra!
-Quando vocês saíram de lá?
-Ontem, ela saiu, foi pra casa, voltou para o brinquedinho dela, estava com saudades.
-Ela não chegou em casa, eu falei com Eddie, ela não apareceu por lá ainda, ele pensa que ela ainda está com o pessoal.
-Hey, o que você está dizendo? Calma aí, ela foi embora, pegou um carro, eu vi.
-Caralho Scott! Layne estava perdendo o pouco controle que ainda tinha.
-Estou te falando, mas que porra! Ela não está em casa, não chegou, aconteceu alguma coisa! Você precisa colocar esse bando de filhos da puta que trabalham pra você pra descobrir o que aconteceu, ela não vai aguentar, entende? Se pegarem ela de novo, e ela passar por aquelas coisas outra vez, ela não vai aguentar, Layne estava completamente fora de si ele gritava e andava de um lado para o outro.
Scott o puxou para dentro da casa, a chuva tinha aumentado, o frio era intenso e era arriscado ficar ali fora com a porta aberta aquela hora.
-Entra caralho!
Entraram. Layne estava acabrunhado de ter que pisar ali de novo, estava ensopado, com frio, deprimido e cansado da longa caminhada e Scott não fazia menção de convidá-lo para sentar-se.
-Pode me arrumar um cigarro?
-Tome, fique com o maço, o que aconteceu com você rapaz, está um trapo, andou se perdendo o suficiente pra ficar sem nada?
-Não é isso, o assunto não sou eu, ok? Você vai fazer alguma coisa, ou vou ter que procurar sozinho?
-Acha que consegue achar ela sozinho? Suas capacidades evoluíram a este ponto?Já pode voar também? Foi assim que chegou aqui? Scott ria irônico.
-Não, vejo que não foi, pelo seu estado, veio na caminhada não é?
-Caralho, vou embora, já te dei o recado, vou atrás dela.
Layne começou a se dirigir para a saída, mas Scott o interrompeu.
-Layne.
Dificilmente ele o chamava pelo nome, isso o paralisou, mas continuou de costas para Scott.
-Fique, preciso que fique aqui, me ajude, algo aconteceu, na verdade, algo está acontecendo, aquele merda, está começando um ataque ao nosso pessoal, acho que pegaram ela.
Layne estremeceu ao ouvir aquilo, não podia ser verdade, sua irmã, nas mãos daquele fanático, suas mãos se fecharam numa raiva contida, ele fechou os olhos, não queria acreditar na que tinha ouvido, respirava com dificuldade.
-Pegaram uma travesti, estão atacando o pessoal nos becos, tem sido ataques ao pessoal das ruas, com pequenas mensagens, ele quer exterminar o mal da cidade, e "nós" somo o mal, aquele filho da puta!
O ódio de Scott o fazia rosnar, nessas horas era possível ver o quanto ele podia ser cruel, seus olhos mostravam todo ódio.
Eddie continuava esperando, sabia que algo estava errado, não era comum o irmão aparecer assim procurando por ela, eles se comunicavam lá do seu jeito, alguma coisa fora do comum estava acontecendo, ele sabia, ela estava demorando para voltar, isso também, não acontecia, ela nunca ficava tanto tempo assim sem dar notícias, ele não queria ter que entrar em contato com aquele outro mas se precisasse, se as coisas estivessem novamente fugindo do controle, se ela estiver em apuros novamente, o pior era que Layne nunca deixava um telefone de contato, ele sempre vivia como um fantasma, sempre desaparecendo, vivia errante se drogando por aí, só pelo fato de ter aparecido, já era mais do que suficiente para deixar Eddie completamente certo de que as coisas iam começar a se complicar outra vez.
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